LICITAÇÃO E SUA OBRIGATORIEDADE
1) Introdução.
Preliminarmente, o administrador público ou o gestor público, ao contrário do que muita gente acha, não tem o direito de utilizar os recursos públicos como se fosse seu, assim como pode fazer o particular, sem qualquer critério, podendo utilizar da forma que entender ou achar conveniente o seu dinheiro, enfim tem o particular, sim, à liberdade de fazer o que quiser com o seu dinheiro, é um direito que lhe é imanente. No entanto, a regra no direito brasileiro, é que o poder público ou todos os órgãos da Administração Pública direta ou indireta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) têm o dever de licitarem os serviços e obras de que necessitam para a consecução das suas finalidades.
É importante frisar, que o administrador ou o gestor público não está impedido de construir obras, contratar serviços, fazer compras ou fazer alienação, ao contrário, estamos dizendo que o administrador ou gestor público não só pode como deve, pois do contrário, não conseguirá atingir os objetivos da Administração Pública que para tanto precisa realizar obras, fazer contrações, realizar compras e proceder à alienação, devidas e necessárias, mas mediante licitação. Não dá nem para imaginar, por exemplo, as crianças sem a merenda escolar, onde para muitos alunos, a merenda escolar é a principal refeição. Ficaria muito difícil senão impossível imaginarmos a Prefeitura Municipal, Secretarias e demais órgãos ficarem sem material de expediente e de informática, praticamente, as atividades administrativas estariam fadadas à paralisação, o que seria um caos administrativo e assim por diante.
Interessante, que a licitação não só é possível como é devida à sua realização, excetuando-se alguns casos expressos em lei, porque do contrário, jamais poderíamos imaginar ou continuar sonhando, qualquer um de nós, com, por exemplo, a construção do Museu do Índio em São Gabriel da Cachoeira que seria pela sua grandiosidade e significação histórica e cultural, uma das obras mais importantes do município e que deve ser uma prioridade permanente tanto do governo municipal, como do governo estadual e do próprio governo federal, pois é um referencial do Brasil para o Brasil, para os brasileiros e para toda a comunidade internacional, sendo assim, autêntica, merecida e justa homenagem a todo povo gabrielense e motivo de valorização e resgate da cultura, costumes e tradições dos 22 grupos étnicos diferentes e presentes em nosso município, são mais de 30 mil índios e mais de 80% da extensão territorial do município que tem 109.185 km², são terras indígenas demarcadas e regularizadas, o que o credencia naturalmente como o município mais indígena do Brasil.
Da mesma forma, jamais poderíamos imaginar a construção do Complexo Poliesportivo na área onde hoje está a Quadra Arnaldo Coimbra e o Estádio Quirinão, uma área destinada as mais diversas modalidades esportivas e de uso comum tanto para os jovens, adultos e idosos. Se Manaus em virtude da Copa do Mundo de 2014 vai ter a Arena da Amazônia, porque não sonharmos com a Arena Central de Atividades Poliesportivas e Culturais e assim por diante, e neste mesmo sentido de importância e necessidade se justifica a retomada da obra da Orla da Praia e do Ginásio do Bairro Areal. Para a Administração Pública tudo é possível, basta o exercício da vontade política, competência administrativa e capacidade para fazer as parcerias e realizar as obras e prestar os serviços públicos que a população precisa, Deus por aqui fez a sua parte e mais um pouquinho, precisamos fazer a nossa, Administração e administrados.
2) Breve histórico.
A licitação surgiu no Brasil ainda no período imperial, por força do Decreto n. 2.926, de 14.05.1862, com a evolução social e econômica, a democratização do país e com o advento da Constituição Federal de 1988, a Administração Pública modernizou-se com a criação de novos instrumentos jurídicos que possibilitaram um controle maior sobre as finanças públicas do Estado, uma vez que até então imperava o déficit público, onde o Estado gastava mais do que arrecadava e neste sentido contar com uma legislação sobre licitações para disciplinar as relações de aquisição de produtos e⁄ou serviços, era de fundamental importância para o equilíbrio das contas públicas do Estado que carecia de um controle maior e mais eficiente dos gastos públicos, passando então a licitação a ganhar status de princípio constitucional e de observância obrigatória pela Administração Pública direta e indireta de todos os poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme dispõe o inciso XXI do art. 37, da Constituição Federal, que impõe a obrigatoriedade de licitar, ressalvando apenas os casos de dispensa ou inexigibilidade expressamente previstos em lei e como licitar é um ato administrativo, nunca, é demais lembrar que a licitação deve obedecer aos demais princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência na forma proclamada pelo art. 37 da Lei Maior da República.
3) Significado.
Licitação indica ato de licitar. Ao passo que o significado etimológico de licitar deriva do latim licitationem, que significa a venda por lances, por oferta.
Mas, a final, o que é licitação, como ela acontece ou como ela é realizada. A maioria das pessoas já ouviu falar nesse termo, ouvem através dos meios de comunicação, noticiários da TV, jornais impressos, revistas dentre outros. Entretanto, mesmo se ouvindo falar muito no termo licitação, poucas são as pessoas que conhecem o seu significado e qual a sua importância como instrumento de controle e aplicação devida de recursos públicos para a contratação não só de serviços e obras, mas tudo que é utilizado pela Administração Pública, assim, quando, por exemplo, o Prefeito Municipal, precisar comprar a merenda escolar, material de expediente, combustível, tem o direito de comprar, sim, mas mediante licitação, que em resumo quer dizer, que a Administração Pública precisa abrir o processo de licitação de forma pública e coloca as suas necessidades de contratação de produtos e/ou serviços e dentre os candidatos previamente inscritos tem o dever de escolher os produtos e/ou serviços que em princípio têm o melhor preço, aqui o “melhor” tem o significado de ser o melhor para a Administração Pública, ou seja, o que lhe proporcionar maior vantagem uma vez que deve prevalecer o interesse público e se possível com o menor preço, sem deixar de considerar as características dos produtos e/ou serviços constante no Edital, que é o regulamento da licitação para aquele caso específico.
Licitação significa em termos técnico-jurídico um procedimento administrativo formal, realizado sob regime de direito público, prévio a uma contratação, pelo qual a Administração seleciona com quem contratar e define as condições de direito e de fato que regularão essa relação jurídica futura, ressalvada as hipóteses previstas na própria Lei das Licitações, quando trata da dispensa e da inexigibilidade de licitação, conforme dispõe o art. 24 e 25 da Lei n. 8.666/93. Muito embora, o legislador ordinário federal não definiu ou conceituou o termo licitação, porém, encontramos na disposição do parágrafo único do art. 2º, da referida lei uma conceituação de contrato administrativo, como sendo “contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particular, em que haja um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”, o que vem de encontro à conceituação doutrinária dominante, que é um ato jurídico formado pela vontade de duas partes, gerando direitos e obrigações para ambas, uma vez que cumprida a obrigação de um, nasce a obrigação de outro, ou seja, o contratado tendo cumprido sua obrigação, a contratante, que via de regra, é a Administração Pública, tem a obrigatoriedade da contra-prestação, o pagamento.
Em outras palavras e esmiuçando a definição jurídica para que assim possamos construir uma definição de fácil entendimento e de melhor compreensão pelas pessoas mais simples e desprovidas de conhecimento jurídico sobre o assunto ora analisado, cujas pessoas são em verdade o nosso público alvo. Licitação pode ser também explicada quando um cidadão ou uma dona de casa vai à feira ou ao Mercado Municipal como ocorre na maioria das cidades, sendo em muitas delas ponto turístico, como é o caso do centenário Mercado Municipal Adolpho Lisboa em Manaus, que tem a faculdade de entre tantas ofertas, de escolher os melhores produtos pelos menores preços, isso é licitação, apesar de termos vários tipos de licitações, que tem como referencial “de melhor técnica, de técnica e preço e de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso”, excetuando-se apenas a modalidade concurso, conforme o §1º do art. 45 da Lei das Licitações.
4) Lei das Licitações e Constituição Federal.
No Brasil, a matéria é disciplinada pela Lei n. 8.666, de 21.06.1993 (Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências).
Ressalta-se, que a disciplina normativa das licitações e contratos administrativos é integrada não apenas pela atual legislação, notadamente a Lei n. 8.666/93, também chamada de Lei das Licitações, tem-se neste sentido como base fundamental a Constituição Federal onde encontramos os princípios e normais fundamentais que disciplinam a organização, a estrutura e o desenvolvimento válido da atividade da administração física e orgânica do Estado aqui denominado de Administração Pública, que tem sua justificativa maior no princípio da constitucionalidade das leis (hierarquia das leis), onde nenhuma lei pode contrariar ou contrapor à Constituição Federal, o que implica em dizer que nenhuma lei, seja ela, municipal, estadual ou federal pode contrariar a Constituição Federal, também chamada de Lei Maior ou Lei Magna.
5) Obrigatoriedade da Licitação.
Dizemos da obrigatoriedade da licitação para a Administração Pública devido à imperatividade legal, ou seja, o administrador ou gestor público não tem a faculdade de decidir se faz ou não faz licitação. A Administração não tem como realizar as suas funções sem a colaboração de terceiros, aqui “terceiros” deve-se ser entendido como o particular ou uma pessoa jurídica de direito público ou privado, uma vez que a Administração pode adquirir mediante licitação produtos e/ou serviços tanto de particulares (pessoas físicas) ou de pessoas jurídicas de direito público (neste caso, por exemplo, o município pode contratar os serviços da Universidade Federal do Amazonas para a organização e realização de concurso público) ou privadas (empresas comerciais, industriais dentre outras que a Administração precisa contratar para melhor cumprir suas finalidades).
6) Modalidades de Licitação.
O art. 22 e seus parágrafos da Lei das Licitações definem as modalidades de licitação:
“§1º Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.
§2º Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.
§3º Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três), pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.
§4º Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.
§5º Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação”.
A escolha da modalidade de licitação ocorre em função de valores estimados da contratação, conforme dispõe o art. 23 da Lei das Licitações, in verbis:
“Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
I - para obras e serviços de engenharia:
a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);
b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
c) concorrência - acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:
a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais);
c) concorrência - acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais)”.
7) Dispensa de Licitação.
A dispensa de licitação ocorre quando nos casos previstos em lei, ela puder ou não ser efetivada (art.24). E, se dispensada a licitação, à evidência e por lógica, os princípios específicos que a comandam estarão afastados, como dispõe o art. 3° da Lei n. 8.666⁄93. Tais princípios são o da vinculação ao instrumento convocatório – que, aliás, no caso, inexiste; o da igualdade entre os licitantes – que, aliás, no caso, inexiste; o do sigilo na apresentação das propostas; o do julgamento objetivo – que, aliás, inexiste, no caso, uma vez que competição é sinônimo de licitação e, portanto, onde não há licitação não pode haver competição, o que, aliás, é afirmado pelo art. 25 da Lei n. 8.666⁄93.
8) Inexigibilidade de Licitação.
Por outro lado, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial para a aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que somente possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita por atestado do órgão do registro do comércio, sindicato, federação ou confederação patronal ou entidades equivalentes. A inviabilidade de competição que embasa a inexigibilidade de licitação, prevista no art. 25 da Lei das Licitações, deve ser suficiente e bem fundamentada, demonstrando-se a existência de real e efetiva inviabilidade de competição e como já dissemos se não existe competição, logo não existe licitação.
9) Pregão.
A novidade em termos de modalidade de licitação é o pregão que surgiu no direito administrativo brasileiro por força da Lei n. 10.520, de 17.7.2002, (Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências). O pregão pode ser Presencial (onde os licitantes se encontram e participam da disputa) ou Eletrônico então criado pelo Decreto n. 5.450, de 31/05/2005 (onde os licitantes se encontram em sala virtual pela internet, usando sistemas de governo ou particulares). Na prática, o pregão enquanto modalidade de licitação provocou uma verdadeira revolução no já ultrapassado e desgastado vigente processo licitatório constante da lei que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos – Lei n. 8.666⁄93, implementando ao modelo arcaico vigente no país, praticidade, celeridade, simplificação do procedimento ao mesmo tempo em que inverteu as fases do processo licitatório comum, onde é feito primeiro a abertura das propostas das licitantes e depois o julgamento da habilitação dos mesmos, dando assim maior transparência ao processo e gerando, o que é melhor, economia tanto de tempo como de recursos públicos, o que significa o bom uso do dinheiro público, além de dar maior legitimidade aos princípios norteadores da Administração Pública que é um imperativo constitucional, conforme prevê o art. 37 da Constituição Federal.
10) Crimes e Penas.
Concluindo e a titulo de contribuição final, informamos, que “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidade pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, é crime, cuja pena de detenção de 3 a 5 anos, e multa. Assim, como também é crime, quem “frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, com pena de detenção de 2 a 4 anos, e multa”. Ressaltando, que os crimes e as penas previstas na Lei das Licitações estão constantes no art. 89 a 99 da Lei n. 8.666⁄93. E os crimes definidos na Lei das Licitações são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la, conforme dispõe o art. 100, podendo qualquer pessoa provocar, para os efeitos da lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência, isso não é fato, é lei, art. 101 da Lei das Licitações.
*Nixon Alberto de Braga Rodrigues é advogado e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Amazonas, sob o n. 3.175. E-mail: nixonbraga-advogado@bol.com.br. Site: www.nixonbraga-advogado.com.